sábado, 5 de agosto de 2023

A Fazenda - Uma Jornada de Reflexão sobre a Exploração do Trabalho

“Prezado leitor,

É importante salientar que este texto não busca fomentar conflitos; muito pelo contrário, tampouco promove qualquer agenda política específica. Meu propósito reside em estimular momentos de reflexão. A vida contemporânea, marcada pela agitação que permeia nossos afazeres diários, abrangendo família, trabalho, estudos e outras responsabilidades, frequentemente nos lança em uma corrida incansável em direção às nossas metas. No entanto, nesse processo, tendemos a perder a capacidade intrínseca de questionar o status quo, aceitando as coisas como são, sem espaço para intervenções. Este texto se configura como um convite à reflexão sobre a realidade que nos cerca.”

A Fazenda - Uma Jornada de Reflexão sobre a Exploração do Trabalho

A vida de João foi tecida nas linhas do trabalho árduo e das dificuldades. Criado por seus avós em uma modesta casa isolada de qualquer centro urbano, ele aprendeu desde cedo os segredos da agricultura de subsistência. Anos de lutas foram agravados pelo prolongamento das secas, desafiando a sobrevivência de sua família. Após o triste falecimento de seus avós, João decidiu deixar sua morada e empreender uma jornada em busca de melhores condições de vida.

Após dias de caminhada exaustiva, João finalmente vislumbra A Fazenda - um verdadeiro oásis de atividade. Lá, campos para cultivo, água corrente, cavalos, muitas pessoas e barracas de venda compõem um cenário de muita esperança. Essa terra é vasta, suas fronteiras se estendem para além do horizonte.

João passa por uma entrevista com um dos contratantes da fazenda, e logo é aceito com base em seus conhecimentos agrícolas. O entusiasmo pela promessa de um salário de 100 dólares é notável. Em sua nova jornada de trabalho, João conhece Paulo, um colega de profissão que se dispõe a lhe apresentar as diretrizes da vida na fazenda.

A labuta no campo se estende por oito longas horas, testando seus limites físicos e emocionais. A fome e o cansaço são saciados em uma barraca de comida, João paga o cozinheiro e agradece pela refeição, Paulo faz o mesmo.

Ao sair da barraca, Paulo paga novamente a um homem robusto e sério que vigiava a entrada. Paulo instrui João a fazer o mesmo.

"Por que pagamos a esse homem?" questiona João.

"Ele é encarregado do fazendeiro. Compreenda que estamos nos alimentando dentro dos limites da fazenda; por isso, contribuímos para utilizar este espaço, já que gera resíduos e afins. O próprio cozinheiro também contribui", esclarece Paulo.

"Entendi, parece justo."

Com a noite se aproximando, é hora de descansar. Paulo explica que todos os trabalhadores da fazenda também residem nela, em uma região onde as tendas dos trabalhadores estão situadas e lá todos pagam uma pequena contribuição anual para poder utilizar aquele espaço. Para alcançar essa área, é necessário pegar um ônibus disponibilizado pelo fazendeiro mediante uma pequena taxa para o motorista. Esse transporte é uma alternativa mais cômoda do que caminhar por horas. Ao chegar lá, Paulo gentilmente permite que João more com ele durante o primeiro mês.

Chega o dia do pagamento, e João recebe feliz seu salário de 100 dólares. Ao sair da cabine de pagamento, um homem robusto se aproxima para coletar uma contribuição de 20 dólares. Paulo informa que é uma obrigação contribuir. João se irrita, e seu amigo explica que essa é uma prática comum e que todos devem contribuir ao receber o salário, visto que o fazendeiro utiliza esses recursos para o bem-estar dos trabalhadores.

Paulo destaca a presença de seguranças na fazenda, encarregados de proteger os trabalhadores, e menciona as barracas que oferecem tratamento médico. Todas essas comodidades são mantidas pelo fazendeiro. Portanto, contribuir é justo. Agora com apenas 80 dólares, João, embora triste, aceita a situação.

Decidido a conquistar sua independência, João decide comprar uma tenda própria, permitindo que deixe a hospitalidade de seu amigo Paulo. Após pagar pelo abrigo, Paulo informa que é necessário efetuar mais um pagamento à fazenda, contribuição pela compra. Paulo lembra também que agora que João terá sua própria tenda é necessário fazer o pagamento da contribuição anual. A revolta toma conta de João, que já contribuiu com parte do seu sofrido salário e passou o mês inteiro fazendo contribuições diárias. A sensação de ser explorado cresce, à medida que se vê obrigado a pagar duas vezes por tudo que vai fazer, sempre tem uma parte para o fazendeiro.

Após acalmar-se, Paulo enfatiza que todas essas contribuições são regulamentadas pelas leis da fazenda e que a falta de pagamento é considerada crime. João, aceita e segue com sua vida.

Com o passar dos meses, João descobre que essas contribuições são intermináveis. Qualquer ação, seja comprando qualquer mantimento para sobreviver, sempre gera um pagamento duplo, para o vendedor e outro para o fazendeiro. Por exemplo, ao adquirir um cavalo, é necessário pagar ao antigo dono do cavalo pelo cavalo, depois pagar uma contribuição sobre o valor do cavalo ao fazendeiro, e tem ainda que pagar uma contribuição anual a fazenda pelo uso do animal. E olha que a fazenda não ajuda o João em nada com o sustento do cavalo. O João tem que comprar alimento, remédios, enfim tudo que o cavalo precisar.

João começa a se questionar se o fazendeiro não está explorando a todos, então começa a somar todas as contribuições, João percebe que, para viver na fazenda é obrigado há trabalhar 140 dias por ano sem remuneração. Essa constatação aponta para o fato de que, ao longo de quase cinco meses anualmente ele irá doar sua vida ao fazendeiro, sem receber nenhum centavo pelo suor do seu trabalho.

Aos poucos, João também começa a notar as deficiências da vida na fazenda. Há grupos de bandidos que realizam roubos à luz do dia, resultando em mortes e uma série de crimes diários. Um sentimento de impunidade prevalece diante de tantos atos brutais. Além disso, as barracas de atendimento médico são precárias, pessoas morrem esperando por atendimento, e João já experimentou essa dificuldade quando estava doente. A falta de medicamentos agrava ainda mais a situação.

João percebe que a fazenda está longe de ser um paraíso, algumas pessoas desfrutam de regalias e benefícios, enquanto outras são submetidas a regras menos favoráveis. Injustiça e privilégios distorcem o ambiente. A infraestrutura é precária, muito lixo acumulado, doenças em expansão e transporte inadequado.

Ao dialogar com residentes antigos, João é alvo de zombaria. É dito a ele que deveria ser grato por tudo o que recebe do fazendeiro, um homem de bom coração que supostamente zela pelo bem-estar dos trabalhadores.

João não compreende, já que havia tantas contribuições, porque as coisas não funcionavam. Isso o leva a procurar dialogar com os assessores de confiança do fazendeiro, os responsáveis pelas leis e contribuições da fazenda.

Determinado, João se esforça, por fim, consegue uma audiência com um dos tomadores de decisão da fazenda. João expõe suas preocupações, relata todas as mazelas  da vida na fazenda e solicita mudanças. O representante do fazendeiro ouve atentamente e responde com eloquência:

"Caro companheiro, suas palavras são verdadeiras. Reconhecemos as deficiências da fazenda e estamos trabalhando incansavelmente para corrigi-las. De fato, novas contribuições estão sendo estudadas para significativamente melhorar a vida de todos os residentes. A contribuição atual não é suficiente para abordar nossos desafios. Como você pode observou, atualmente, são necessários 140 dias de trabalho por ano. Para enfrentar essa situação, devemos adicionar apenas 15 dias ao ano, um aumento insignificante que mal afetará sua rotina. Esta mudança, asseguro-lhe, trará melhorias significativas. Estamos em processo de aprovação das novas regulamentações para o bem da fazenda. Sua ajuda em esclarecer seus colegas trabalhadores é fundamental. Compreenda, João, que esse esforço visa ao bem comum. Contamos com sua cooperação."

João sai do encontro, refletindo sobre a pequena adição de 15 dias aos já 140 dedicados ao trabalho. Afinal, se isso resultar na solução dos problemas da fazenda, é um preço justo a pagar.

Cinco anos se passam. João já se habituou a essa nova realidade. Então, chega um novo trabalhador chamado Pedro, e João assume a responsabilidade de orientá-lo.

Prezado Pedro, permita-me resumir todas as informações que você necessita saber. A fazenda é maravilhosa vou lhe mostrar todos os lugares. O fazendeiro é um homem bom, que prove transporte, grupo de segurança, barraca com médicos e muitas outras coisas boas para todos que moram aqui, devemos sempre agradecer a ele. É solicitado que você participe com pequenas contribuições financeiras, as quais são utilizadas em prol do seu bem-estar e de todos aqui. Entenda que enfrentamos algumas questões relacionadas à segurança, infraestrutura, condições de vida e outras situações. Esses desafios são devido a contribuição atual não é suficiente para atender a todas as necessidades. Felizmente, os administradores da fazenda prometeram melhorias este ano, incluindo algumas novas contribuições adicionais. Atualmente as contribuições correspondem a 155 dias de trabalho por ano, mas fique tranqüilo, você nem vai perceber; e as novas contribuições são mínimas, representando apenas alguns dias extras por ano. Seja muito bem-vindo! Vamos trabalhar.

“Reconhecer a exploração do ser humano não deveria representar um desafio. No entanto, a trajetória histórica evidencia que as sociedades têm a tendência de se adaptar a qualquer panorama, mesmo que ele atinja níveis de absurdo. Nesse contexto, convido-o a empreender uma análise crítica em relação ao conceito de "normalidade", questionando o que é ético, o que é justo e o que é verdadeiramente aceitável.

Estamos prosperando ou sobrevivendo? Será que estamos trabalhando pouco, estamos produzindo pouco? Considere, por exemplo, a obtenção de um bem como um carro em nosso país. Quanto tempo de dedicação ao trabalho se faz necessário para alcançar esse objetivo? E, ao compararmos com outras nações, executando um serviço similar, enfrentaríamos o mesmo período de empenho para adquirir o mesmo veículo?

Será que, talvez, estamos sendo explorados?”


Fontes:

1 CNN: 

https://www.cnnbrasil.com.br/economia/brasileiros-trabalharam-ate-27-de-maio-para-pagar-impostos-em-2023-diz-levantamento/





2 G1: 



3 UOL: 



Mais fontes:

Estadão: ... serão necessários 147 dias de trabalho para quitar os impostos ao longo do ano...

Terra: ... estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação revelou que trabalhador brasileiro terminou de pagar impostos em 27 de maio ...